Há 80 anos pavimentando nosso futuro

– Bia Bach –

“Adoro visitar lares para idosos. Estar em meio a eles sempre ajuda a me sentir jovem por comparação.” Assim começa o relato de um rabino americano sobre seu trabalho com esta faixa etária. E então conta sobre uma visita, quando convidado a dar uma palestra: “Dispensei o material preparado e, em vez disso, tentei promover com os moradores, todos com mais de 90 anos, uma discussão em grupo. Decisão sensata, porque aprendi muito sobre a experiência de envelhecer. Ou, como um deles sabiamente insistiu: Você não fica ‘velho’ – você ‘envelhece’.”

A questão que colocou para o debate foi: O que primeiro fez você perceber que está ficando ‘mais velho’. As reações foram surpreendentes, com dois grupos de respostas bem distintas.

Um participante respondeu: “Eu soube que estava envelhecendo quando as pessoas começaram a me ignorar. Já não era mais que uma peça de mobiliário para elas. Pior, elas nem me percebiam mais.” Cerca de metade do grupo concordou com a sua resposta e passou a descrever situações em que foram ignorados. Algumas histórias eram muito comoventes e poderosas.

Em seguida, outros relataram experiências bem diferentes. Um homem sintetizou a opinião desse segundo grupo: “Percebi que estava ficando mais velho quando os passageiros no metrô ou no ônibus se levantaram para me dar seu lugar.” Esse gesto básico de respeito sinalizou aos membros desse grupo de idosos que realmente tinham atingido a idade em que não são ignorados, senão que se tornaram beneficiários de atos de deferência.

A discussão avançou, e ambos grupos concordaram que, embora certamente não quisessem ser ignorados, também se ressentiam desses gestos de respeito. Eles apoiaram unanimemente a posição da pessoa mais velha presente, que disse: “Nós não queremos gestos de respeito. Queremos respeito genuíno.” Embora todos apreciassem aqueles que lhes cedem seu lugar no metrô, queriam algo mais: que suas opiniões fossem ouvidas, sua experiência de vida apreciada e sua sabedoria reconhecida. Gestos simbólicos eram insuficientes, e às vezes até mesmo experimentados como degradantes.

O mandamento bíblico básico sobre o tratamento dado aos idosos diz: “Diante dos idosos te levantarás e mostrarás deferência aos mais velhos…”. (Lev. 19:32). Os comentários de Rashi (rabino medieval francês, famoso como o autor dos primeiros comentários abrangentes sobre o Talmud, e sobre a Torá) a respeito deste versículo denotam sua sensibilidade para com o tema: “O que é deferência? Abster-se de sentar no lugar dele e não interromper suas palavras… “. Não sentar no lugar dele significa muito mais do que apenas dar-lhe um assento no ônibus: é reconhecer que o idoso tem seu próprio assento, seu próprio lugar bem merecido na sociedade, que você, o mais jovem, não ouse usurpar. Não é só um gesto, mas o reconhecimento do lugar valioso que o ancião tem na sociedade. Da mesma forma, não interromper a conversa do mais velho é, muito mais do que um ato de cortesia, a consciência de que esta pessoa mais velha tem algo valioso a dizer, uma mensagem que se deve ouvir atentamente.

À medida que cada um de nós se esforça para mostrar respeito genuíno aos nossos idosos, ajudamos a construir uma sociedade em que eles têm o seu próprio lugar, com a esperança de que a sociedade ainda esteja aí quando nos tornarmos mais velhos e pudermos colher os benefícios de nosso comportamento quando jovens. Tratar os idosos com respeito genuíno, ouvindo-os verdadeiramente e valorizando suas contribuições, é uma parte essencial do que significa ser um “povo sagrado”. Quem assim faz, aproveitando o tempo para ouvir suas experiências e a sabedoria para crescer em conhecimento, na sua velhice será respeitado por pessoas mais jovens. Ao ouvi-los é possível notar que muitos idosos são divertidos, informados e apaixonantes.

O Rabino Jonathan Sacks destaca a dimensão religiosa do trato dado aos idosos. Um dos versículos mais eloquentes do livro de Salmos diz: “Não me abandones na velhice; não me desampares quando falharem minhas forças.” (71:9). A Bíblia considera incontestável que uma sociedade seja julgada pela maneira como trata os mais vulneráveis: os muito jovens e os muito velhos. Para Sacks, um dos belos aspectos da vida judaica, nas sinagogas, lares de idosos e famílias ampliadas, é a conversa e a amizade entre jovens e velhos, entre avós e netos. É assim que deve ser: os jovens compartilhando seus sonhos com os velhos; os velhos compartilhando suas memórias com os jovens. Honrar os idosos poderá não acrescentar anos às suas vidas, mas acrescentará vida aos seus anos.

Na Torá, a sociedade é descrita como patriarcal: os grandes ancestrais eram os eleitos e porta-vozes de Deus, venerados e respeitados. A velhice era valorizada e os idosos tinham um papel político na sociedade – o Sinédrio, órgão máximo dos hebreus, era composto por 70 “anciãos do povo”. Na Torá, a velhice é uma virtude, uma bênção. Em toda a Escritura, o conceito de “ancião” é sinônimo de sabedoria. E o Talmud nos ordena respeitar os anciãos, independente de sua escolaridade, pois os vários desafios e experiências pelos quais passaram resultam em uma sabedoria que até mesmo os mais talentosos entre os jovens não conseguem ter. Dizem nossos sábios que um dos segredos da imortalidade do Judaísmo – constituído pela memória de gerações, em que os mais velhos têm a obrigação de transmitir os conhecimentos para os mais novos – é justamente o respeito aos idosos, pois uma sociedade que não sabe respeitar o passado é certamente uma sociedade que não terá futuro.

Conta um midrash (interpretação alegórica da Bíblia) que até a época de Abraão não havia o conceito de envelhecimento, as pessoas não apresentavam sinais visíveis da idade. Isaac e seu pai eram muito parecidos e, para evitar que fossem confundidos, Abraão pediu a Deus que incluísse o envelhecimento no ciclo da vida. Segundo a alegoria, o Eterno o presenteou com os cabelos brancos, “a coroa da velhice”. Um comentarista diz que o que chamou a atenção de Abraão foi o fato de as pessoas falarem com ele, um ancião com mais de 100 anos, da mesma maneira que falavam com seu jovem filho, que elas não tinham qualquer apreciação pela sabedoria dos idosos e não lhes demonstravam o devido respeito.

Na nossa sociedade, a apreciação dos idosos está novamente ausente. A Cultura Ocidental enxerga a velhice como uma deficiência. A juventude é vista como referência nos negócios, na medicina, nas tecnologias e até nos governos. As novas gerações insistem em “inovar e aprender com seus próprios erros”, ao invés de construir a partir da experiência adquirida pelos mais velhos. Assim, nossa sociedade acaba transformando os últimos anos da vida de uma pessoa em inatividade e decadência. Os idosos são tratados como inúteis, como um peso para a sociedade.

A Cultura Ocidental valoriza a força física em detrimento da força intelectual. Um jovem pode dançar por horas sem se cansar, enquanto um idoso provavelmente se cansará em poucos minutos. Mas o ser humano não foi criado para dançar! Foi criado para transformar a vida na Terra em algo mais puro e mais sagrado. A maturidade espiritual dos anciãos certamente compensa, e muito, sua diminuição física. Nas palavras do Rabino A. J. Heschel, “A velhice não é uma derrota, mas uma vitória, não uma punição, mas um privilégio. O teste de um povo é como ele se comporta em relação aos idosos… O potencial de mudança e crescimento do homem é muito maior do que queremos admitir e a velhice pode ser considerada não como a idade da estagnação, mas a idade das oportunidades para crescimento interno.”

O último estágio do ciclo de vida é pautado por inúmeras perdas e requer o resgate da autoestima e do bem-estar psicológico do indivíduo, através de suas ações e de sua participação no meio em que está inserido. É mais uma etapa de adaptação ao novo, com vistas a um estilo de vida física e psicossocial saudável. Esta adaptação, que se dá graças ao desenvolvimento da resiliência (termo oriundo da física, que se refere à capacidade elástica de alguns materiais de voltar ao seu estágio anterior de equilíbrio, após sofrer uma alta pressão), fortalece a busca do sentido da vida. O psiquiatra Viktor Frankl, sobrevivente de campo de concentração que estudou a resiliência, afirmou que o ser humano deve ser aceito em sua essência porque é um “ser em busca de sentido” e com desejo de realização. Esta busca se traduz em valorização da experiência vivida, releitura dos acontecimentos, posicionamento diante dos fatos, crença de que existe um amanhã à espera de alguém para amar, projetos a realizar, obras para edificar, independente de qualquer idade.

É preciso acreditar nos idosos e compreender seu valor enquanto pessoas capazes de contribuir para o futuro e o bem da humanidade.